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segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Antro de Iniquidades - Nilson Ribeiro

  Tudo aconteceu propriamente sem me dar conta.
  Estudante razoável, trabalhei por anos a fio no comércio; muita ralação,
noites infindáveis por entre mesas apinhadas, equilibrando bandejas ao tilintar de copos, pratos e talheres.
  Acabei assim por tecer contato com muita gente, e quase sem sentir já me tornava uma figura popular.
  Até aí morreu o Neves...
  Um dia caí nas graças de um político influente, cliente antigo do restaurante, que vendo meu perfil carismático, me arrebanhou de pronto para o seu partido. Daí para a primeira campanha eleitoral foi um passo.
Conseguir uma vaga entre os eleitos, um outro um pouco mais demorado, mas com sua providencial ajuda, pleno de sucesso.
  E hoje, passados alguns anos, estou aqui, meditando sobre a vida, um Scott nas mãos diante de um belo por do Sol na minha cobertura.
  Observo sem interesse específico, através do fumê, a rua lá embaixo... Um pequeno bar se destaca no burburinho da travessa em frente; lotado, cadeiras espalhadas pela calçada, no calor da tarde neste bonito horário de verão.
 Todos assistem a mais uma rotineira partida de futebol. Dentre eles está o Beto, com sua eterna camisa azul do Cruzeiro, reconheço-o de pronto; ele, pintor dos bons nos tempos em que como síndico o contratava para pequenos trabalhos nas áreas internas e muros do prédio. Hoje, tenho ouvido dizer, tá difícil conseguir uma vaga na sua agenda.
  O Beto é como todos ali, sujeito simpático, mas que nada aspira senão o momento presente, sem plano de saúde nem carteira assinada, apenas o tira-gosto farto, o cigarro e a cervejinha gelada. E, é claro, a algazarra ao vibrar pelo time do coração na hora do gol, gozando sem dó a turma adversária. Piedade é o que eles menos têm nessa hora, e haja zoação.
  Piedade, palavra cada vez mais rara em nosso tempo, quase diretamente oposta a iniquidade, em contrapartida, tão em voga ultimamente.
  Que palavra estranha, essa tal iniquidade, e após repeti-la mentalmente, acaba por me soar mais estranha ainda.
  Antes quando não tinha qualquer poder de decisão, e me julgava um cara papo reto, lutava em minhas prosas vadias por tudo que fosse em prol do cidadão... Agora, que possuo influência para provocar mudanças efetivas, melhorando o rumo das coisas para o povão, pouco se me dá aquela aspiração antiga.
  Pelo contrário, até me causa espécie lembrar do fato de ter pensado assim no passado. Aonde estava com a cabeça, querendo ajudar quem simplesmente não estava a fim, numa arrematada perda de tempo ?
  Hoje sei que há muito o premier Charles De Gaulle já discursava com muita propriedade sobre esse tema. Ajudar quem não quer ser ajudado...
  Acabo assim por inferir que cada um busca o seu próprio destino; se fulano ou sicrano está feliz sem estudar, trabalhando apenas algumas horas, três vezes na semana, o suficiente pra escapar do puxadinho no quintal coletivo e conquistar o raro prazer numa mesinha de bar,sem pensar nos filhos crescendo com igual futuro, por que seria eu a me preocupar com isso ?
  De resto, quem faria os trabalhos mais pesados e simples se todos tivessem o físico e o cérebro de um intelectual ?  Precisamos de gente que elabore as leis que regem o país tanto quanto necessitamos dos garis, faxineiras, serventes de obra etc e tal. O importante é que todos estejam felizes assim, cada um no seu quadrado, como preconiza a máxima funkeira...
Do avô, que sentindo-se ainda importante, contribui com afinco no sustento da família com sua mirrada aposentadoria, ao neto, vendendo balas no sinal, correndo fagueiro por entre os carros importados dos bacanas.
  O importante é ver como um todo, a alegria estampada no rosto da rapaziada, nesse abençoado Brasil, ausente de catástrofes naturais.
  Enquanto isso fico aqui, menos denso agora depois dessa tocante divagação. Curtindo o meu lazer, com minha consciência absolutamente em paz.
  E assim caminha a humanidade, meu amigo.
  Do leão, tranquilo no topo da tenra cadeia alimentar, ao abutre, limpando os restos putrefatos espalhados pelas encostas das colinas; cada qual no seu papel, neste belo e perfeito antro de iniquidades !

Nilson Ribeiro, poeta ao acaso desde menino, fluminense de 57 anos, dos quais 42 de labuta, lidando com gente de todo quilate, fiz disso inspiração diária pra aguentar os trancos da vida.

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