Tudo o que aquela família consumia era cultivada em
suas terras. Nunca vi a dona da casa fazer feira ou mercado. Até as serviçais
eram oriundas daquelas terras. Aos domingos o pai de família, de uma família
que era composta por uma senhora loira bonita alegre que exalava alegria e
juventude. O marido, senhor obeso e carrancudo, mas pessoa muito boa que morria
de amores pela mulher, e dois filhos, um de dez anos e outro de 12 anos.
Meninos estudiosos, sérios, de temperamento calmo e distante. Eram meninos que
nunca saiam para brincar. A brincadeira era estudar e jogar xadrez. Um deles
era campeão de xadrez. Isso eu vi porque vi que decorando o balcão da sala de
jantar, junto a objetos de decoração, estavam expostos vários troféus de
xadrez. Faziam coleção de selos e cartões postais, não andavam de bicicleta ou
jogavam futebol. Vivi naquela casa algum tempo, era uma casa antiga construída
com a fachada dando direto para a calçada, com duas janelas grandes de cada
lado e uma porta dupla no meio, e na esquina um jardim e nos fundos a garagem
onde a família guardava um carro de passeio e a camionete. O jardim era bonito
com canteiros lindos, o que mostrava que os donos da casa eram pessoas de bom
gosto. Aos domingos, depois da missa, o pai e os filhos trabalhavam o jardim e
deste jardim só ele possuía a chave do portão que ficava entre dois muros
cobertos de hera verde e branca. O imóvel ficava situado na zona nobre. Aos
sábados o pai saía as quatro horas da madrugada para ir até a fazenda buscar o
queijo, o leite, carne, feijão, batata, frutas, etc. Normalmente ele mandava
matar uma ovelha ou porco. A dispensa da família era muito grande e limpa, com
dois congeladores e geladeira, e os armários eram gradeados. Tudo pintado de
branco com portas azuis que era para ver a higiene. As empregadas traziam a tal
dispensa que era um brinco. As serviçais chegavam a cidade para estudar e
naquela casa muitas se formaram professores e casaram. Conheci algumas delas,
cheguei a visitá-las com a dona da casa. As moças eram muito bem tratadas e
seus pais ainda trabalhavam para aquela família. E as moças eram educadas,
freqüentavam a missa, namoravam em casa na sala com o senhor e a senhora como
vela, mas todos viviam em harmonia. E o casamento era patrocinado pelos patrões
que já não eram patrões, mas padrinho e madrinha. Todas casaram bem. Foram seis
moças da mesma família que passaram pela casa do casal, e o detalhe é que eles
pagavam o colégio até elas terminarem os estudos, pagavam o enxoval e a festa
de casamento. Era uma família grande e de grande coração. A senhora era muito
elegante e bem relacionada. Era de origem modesta, o pai dela era agricultor
pobre, mas ela possuía o dom da beleza e chamava a atenção de toda a
vizinhança. Eram três filhas, mas só ela deu sorte e fez um casamentão. O moço
era um bom partido, como se dizia na época. Só que aquela beleza atiçava todos
os olhares. O marido dava-lhe aulas e logo ela que não era tola nem nada, já
estava tão culta quando as jovens senhoras da família. O único defeito da
senhora era o de sair todas as tardes; ela tinha uma agenda cheia, era
costureira, dentista, consulta médica, lanches com as amigas, era muito
corriqueira e quando o marido viajava a negócios, ela saia a noite para fazer
caminhada vestindo um enorme casaco de chinchila e por baixo apenas a roupa
intima. Pegava um taxi e saía, mas na hora combinada que o marido telefonava
ela estava de volta, e ficava tão feliz que passava dias nas nuvens, flutuando
e na volta andava como coala, grudada no seu amado marido, do tipo que tirava
os sapatos dele e lhe calçava os chinelos, mas antes fazia massagem nos seus
pés cansados. Penso que ela também fazia massagem na testa dele porque eu
ficava olhando para a testa dele imaginando uma galeria de galhos de pendurar
na parede como ornamento, mas o tal do chifre não despontava. Com certeza ela
tinha os seus segredos e as serviçais espertas, não enxergavam nada e não
faziam comentários, e até facilitavam as coisas, era só o patrão viajar que
elas já traziam os casacos de pele longos e bonitos para o quarto de vestir da
patroa, pois os casacos eram conservados dentro de um móvel climatizado,
criação do marido que tinha mania de nas horas vagas fazer umas invenções, e
era ele quem atulhava o tal armário de casacos de pele. Hoje penso que o senhor
cansado não tinha lá suas transas!
Restaurandora
de bens culturais, pintora, escultora, ourives, Em 2010 foi
classificada em concurso internacional em contos e cronicas, Três livros
publicados e uma coletânea do concurso Edições AG. Mora em Florianópolis, na ilha, casada, três filhos, gosta de animais
domésticos, de cultivar plantas, reunir os amigos, viajar, leitura,
cinema, e a paixão de escrever.
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