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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O triste fim de nosso primeiro porta-aviões

O Navio-Aeródromo Ligeiro Minas Gerais (A-11), que serviu em três marinhas de guerra ao longo de cinquenta e seis anos e foi primeiro porta-aviões da Armada brasileira, encontrou seu fim ao lado de tantos outros bravos guerreiros do mar: nas impiedosas praias de Alang, na Índia, maior centro mundial de sucateamento de navios.

No Reino Unido: símbolo de liberdade

O HMS Vengeance (R-71) foi construído entre 1942 e 1945, no Reino Unido, para ser usado contra os japoneses, no Pacífico mas não chegou a entrar em combate: estava em Sidney, na Austrália, quando veio a paz.
Primeiro navio britânico a entrar em Hong Kong após o armistício, foi onde os japoneses assinaram sua rendição e serviu de base aliada para a reconstrução da cidade. Durante muitos meses, foi o símbolo mais concreto e visível que a guerra finalmente terminara e que a vida, em breve, voltaria ao normal. Até hoje, o Vengeance, o nosso Minas, é lembrado com carinho pela população de Hong Kong.
HMS Vengeance, futuro NAeL Minas Gerais, a serviço da Marinha Britânica.
HMS Vengeance, futuro NAeL Minas Gerais, a serviço da Marinha Britânica.

Na Austrália: substituto temporário

Teve curta carreira na Marinha Britânica. Em 1952, foi emprestado à Marinha Australiana por quatro anos. Os australianos tinham comprado um porta-aviões britânico cuja construção estava bastante atrasada: “vai usando esse aí enquanto o seu não fica pronto”, disseram os ingleses.
Agora com o novo prefixo HMAS (Her Majesty’s Australian Ship), o Vengeance de novo quase entrou em combate, na Guerra da Coreia, chegou a ser preparado e tudo, mas mandaram outro navio.
HMAS Vengeance, a serviço da Austrália.
HMAS Vengeance, a serviço da Austrália.

No Brasil: orgulho da frota

Devolvido ao Reino Unido em uma época de vacas magras e cortes orçamentários, o Vengeance foi decomissionado e acabou vendido ao Brasil por nove milhões de dólares. Era uma época de euforia por aqui. Estávamos construindo uma nova capital e, agora, comprávamos um porta-aviões, o primeiro de uma Marinha latino-americana. (Além disso, JK tinha enfrentado forte oposição das forças armadas e o Minas era uma excelente maneira de ganhá-las com mel, não com vinagre.)
Rebatizado Navio-Aeródromo Ligeiro (NAeL) Minas Gerais (A-11), ele nos deu cinquenta anos de serviços. Foi o capitânia (ou seja, o navio mais importante) da Armada Brasileira. Entrávamos assim no seletíssimo grupo de países com porta-aviões, grupo que hoje inclui somente nove membros.
A diplomacia e o comércio internacional, sem forças armadas por trás, são somente exercícios de retórica. O Brasil sempre soube que não podia ter forças armadas capazes de encarar os Estados Unidos, mas que não podia se dar ao luxo de não ter forças armadas capazes de projetar nosso poder em Angola ou na Argentina. Na verdade, forças armadas são o único tipo de seguro que uma nação pode ter: você gasta aquele dinheiro e torce pra não usar.
Clássica, linda foto do NAeL Minas Gerais, capa da falecida Revista Manchete.
Clássica, linda foto do NAeL Minas Gerais, capa da falecida Revista Manchete.
Voando em formação.
Voando em formação.
O Minas, em casa.
O Minas, em casa.

Uma espada nunca desembainhada

Felizmente, nunca precisamos usar o bravo Minas Gerais. O mais perto que chegamos disso foi durante a Guerra da Lagosta, quando toda a Armada foi mobilizada para encarar os franceses, mas o Minas, recém-chegado, ainda não estava em condições de se locomover.
Cinquenta e seis anos depois de construído, o Minas foi decomissionado em 2001. Era o último dos porta-aviões ligeiros da Segunda Guerra Mundial ainda ativo e também o mais antigo porta-aviões em operação. E, mesmo tendo passado por três marinhas em um século convulsionado, na interessantíssima expressão inglesa, never fired a shot in anger, ou seja, “nunca disparou irritado”, querendo dizer que jamais participou de combates e todos os tiros que disparou foram em treinamentos ou simulações.
A bandeira brasileira é arriada pela última vez no NAeL Minas Gerais
A bandeira brasileira é arriada pela última vez no NAeL Minas Gerais.
O Minas, já sem o número A-11 pintado no casco, saindo rebocado do Rio de Janeiro em sua última viagem.
O Minas, já sem o número A-11 pintado no casco, saindo rebocado do Rio de Janeiro em sua última viagem.

Um novo capitânia que conduz mas não é conduzido

O atual capitânia da Armada brasileira é o Navio-Aeródromo (Nae) São Paulo (A-12), hoje o maior navio de guerra do hemisfério sul. Comprado em meio a muita polêmica em 2000, o São Paulo foi, durante quarenta anos, o porta-aviões Foch, da Marinha Francesa, onde participou de diversas ações de combate, no Iêmen, Djibuti, Líbano, Líbia e Iuguslávia. Que tenha vida mais pacífica no Brasil!
Fevereiro de 2001, acontecimento raro: NAeL Minas Gerais (A-11) e Nae São Paulo (A-12) navegam juntos.
Fevereiro de 2001, acontecimento raro: NAeL Minas Gerais (A-11) e Nae São Paulo (A-12) navegam juntos.
Nae São Paulo realizando docagem no Arsenal de Marinha. E você achava que era difícil encaixar na sua namorada!
Nae São Paulo realizando docagem no Arsenal de Marinha. E você achava que era difícil encaixar na sua namorada!
Nae São Paulo (A-12), em toda sua glória.
Nae São Paulo (A-12), em toda sua glória.

Como um cão sacrificado

Enquanto isso, ninguém quis o velho Minas, onde tantos homens suaram por tanto tempo. A associação de ex-tripulantes britânicos tentou comprá-lo, para que fosse um museu flutuante, mas não conseguiram levantar o dinheiro. (Essa página traça uma cronologia dos últimos meses do Minas e dos muitos esforços para salvá-lo.) Em julho de 2002, for vendido por cerca de dois milhões de dólares para um estaleiro chinês.
Como um velho cachorro já sem controle sobre as próprias pernas, o Minas Gerais saiu do Rio de Janeiro rebocado, abandonando assim a baía que foi sua casa por quarenta anos, e foi em direção à eutanásia nas areias de Alang, na Índia.
Um dia de trabalho em Alang, o maior desmanche de navios do mundo.
Um dia de trabalho em Alang, o maior desmanche de navios do mundo.
Removendo cabos e amarras, em Alang.
Removendo cabos e amarras, em Alang.
Alang, onde navios vão para morrer.
Alang, onde navios vão para morrer.

A distópica praia de Alang

Alang é um dos lugares mais infernais e desagradáveis, distópicos e apocalípticos do mundo. Quilômetros e quilômetros de praias repletas de destroços, diantes das quais navios desenganados se amontoam, esperando sua vez diante da faca do açougueiro. Então, encalham naquelas areias imundas e são prontamente desmembrados por uma multidão de gente desesperada e desesperançada, sem ferramentas e sem segurança, que se atiram sobre os navios como gafanhotos desesperados.
E esse foi o triste fim do nosso Minas.
O Minas, em frente à Alang, esperando sua vez
Foto de satélite: o Minas, em frente à Alang, esperando sua vez de ser sacrificado.
O Minas, em seus últimos momentos, encalhado, na praia, sozinho.
O Minas, em seus últimos momentos, encalhado, na praia, sozinho.
Como um elefante que vai morrer escondido, longe dos seus.
O Minas, como um elefante que vai morrer escondido, encalhado, longe dos seus.
Depois das hienas, sobra só o resto da carniça.
Depois do repasto das hienas, sobra só o resto da carniça do que um dia foi o NAeL Minas Gerais, capitânia da Esquadra Brasileira.
Fonte: http://papodehomem.com.br/o-triste-fim-de-nosso-primeiro-porta-avioes/

Um comentário:

Nana disse...

Boa noite!!
Que bela reportagem!!A história é de gde importãncia para nós brasileiros, mas realmente o triste fim de nosso primeiro porta - aviões é trágico e de um descaso imenso...
Um abraço,
Ana Maria