Em janeiro de 85 eu tinha um namorado que não era chegado a rock,
preferia jazz, mas topou fazer uma viagem de carro para assistir ao Rock
in Rio. Seria nossa primeira aventura on the road. Mas onde dormir? Ele
sugeriu alugarmos um trailer. E assim foi. Botamos o Maverick vermelho
na estrada puxando um trailer caindo aos pedaços. Chinelagem total, mas
foi uma das passagens mais originais da minha história. Credo, eu já
tenho uma história.
Saímos de Porto Alegre, passamos uns dias em Bombinhas, Maresias e
Paraty, até que chegamos ao Rio, onde estacionamos o trailer num camping
em Jacarepaguá. O festival já havia iniciado. No dia do nosso primeiro
show, lembro que meu namorado foi tomar uma cerveja enquanto fiquei no
trailer me arrumando. Quando ele retornou, não acreditou no que viu.
Parecia que eu ia ao shopping: calça branca, top, acho até que coloquei
salto alto.
— Tu tens ideia pra onde estamos indo? Pro meio da lama!
Teimosa, disse que iria daquele jeito mesmo, estava me sentindo um doce
de coco. Resultado: virei a mulher de barro. Choveu demais e aquele
descampado virou Woodstock. Da tal sandália nunca mais tive notícia e a
calça branca virou pano de chão.
Nos dias seguintes, camiseta, jeans, tênis e rabo de cavalo. Pô, óbvio.
Foram muitos shows, mas lembro que o mais espetacular foi o do Queen.
Freddie Mercury cantando “Love of my life” a capela enquanto regia a
multidão foi de arrepiar. E eu estava lá.
Vimos Yes, Rod Stewart, B-52, Nina Hagen, Ozzy Osbourne. E Barão Vermelho, Rita Lee, Blitz, Lulu Santos, Kid Abelha, Paralamas.
Inesquecível, tudo.
Fim de festa. De volta a Porto Alegre, devolvemos o trailer e seguimos
nossas vidas. O namorado? Casei com ele, tivemos duas filhas e vivemos
juntos por 17 anos. Hoje é um querido amigo, está casado de novo e segue
preferindo o jazz.
Em 1985, não havia telões nem camarotes vips, e lembro de apenas uma
lanchonete nos fundos do terreno, assim como meia dúzia de banheiros,
tudo muito precário. Nem sombra da megaestrutura de que se dispõe hoje.
Passavase trabalho, mas, por outro lado, era uma experiência genuína. Só
encarava essa indiada quem gostava realmente de música e aventura.
Ter 23 anos colaborava também.
Poucas coisas são tão vibrantes quanto um show. Eu começo a transcender
antes mesmo de atravessar os portões. Curto a aproximação coletiva,
aquele povo se dirigindo para o mesmo lugar e com o mesmo propósito,
como se estivesse peregrinando até uma igreja em busca de comunhão.
Apagam-se as luzes. Expectativa, ansiedade.
Então surgem no palco os donos da noite. Ao soar o primeiro acorde,
viramos todos evangélicos, budistas, espiritualistas do rock.
Show é consagração. Os aplausos são mesuras e o assovio é o código
sonoro da reverência. O público faz parte de um só corpo e de um só
sangue. Desta vez não irei, mas deixo aqui minha bênção para todos os
devotos da guitarra. Rock in Rio 2011, amém.
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