O poema “A
implosão da mentira” nem é mais meu. Já foi usado em tribunais,
processos, sermões, comícios, aulas, antologias, pôsteres, internet etc.
Transcrito recentemente em jornais, foi ligado ao fato de que o atual
governo mente e logo desmente, e assim vai fazendo o seu discurso. Isto
remete para uma questão mais ampla: as características do discurso
político. Cada profissão produz um tipo de discurso. Dizia aquela velha
raposa mineira – Magalhães Pinto: política é como a nuvem, está sempre
mudando. E, evidentemente, o discurso vai mudando como a nuvem.
Mas
tem uma coisa que não muda tanto quanto as nuvens: a linguagem do
poder. Outro dia ouvi o ministro da Justiça, que é um democrata, falar
sobre a greve dos policiais na Bahia. O discurso era semelhante ao dos
ministros da Justiça do regime militar: falava de ordem, hierarquia e
que anistia não é para criminoso. A fala da presidenta sobre o assunto
não foi diferente – embora, entende-se, diametralmente oposta à fala de
uma guerrilheira. Uma nova ministra que assumiu nesses dias frisou que,
no poder, sua opinião pessoal não conta. Agora descobriram uma
declaração antiga do hoje governador da Bahia, Jaques Wagner, incitando a
greve de policiais. Já Lula é um mestre em moldar discursos.
Repito:
o poder tem um discurso próprio. Ou seja, tem sua sintaxe, tem sua
semântica, em síntese: tem sua lógica discursiva. O poder é um “lugar”
determinado e esse “lugar” é que gera seu discurso. E isso não é uma
invenção do PT ou do Brasil. Em toda parte é assim. Vejam o filme Tudo
pelo poder, com George Clooney: o candidato democrata vai mudando seu
discurso de acordo com sua assessoria e de acordo com os votos que
precisa conseguir. Sua opinião pessoal é irrelevante. Pode dizer o
contrário do que pensa, pois o que interessa é o poder. O próprio Obama
está tendo que ajeitar seu discurso às circunstâncias eleitorais.
Dizem
alguns que o poder é trágico. O antigo ministro da Justiça Milton
Campos dizia que hoje o poder é triste; e o general Geisel, que parecia
todo-poderoso, entristecido, reconheceu o mesmo numa entrevista dada lá
no Japão. Há quem diga que o poder é (necessariamente) cínico. O fato é
que a primeira coisa que quem chega ao poder descobre é que o poder não
pode. Até os ditadores têm que negociar.
Aquele
poema – “A implosão da mentira”– foi publicado na ditadura do general
Figueiredo. E hoje (infelizmente) continua atual. O poder, ontem ou
hoje, tem uma estrutura e uma linguagem próprias. O poder ou assume o
poder ou cai do poder. Poder não é para principiantes. Boas intenções só
não funcionam. Poder é uma técnica de persuasão, que o digam tanto os
líderes democratas que admiramos quanto os ditadores.
O
esforço de persuasão pela linguagem está praticamente em todas as
profissões, do sacerdote ao jornalista. Está (veladamente) até na
crítica de arte. No livro O enigma vazio mostrei os sofismas da estética
contemporânea. O sofista é treinado para provar discursivamente
qualquer coisa.
O
escritor, neste sentido, é um privilegiado. Usa a linguagem para
revelar, não para esconder. Isto tem suas consequências. Volta e meia um
escritor é punido por isto.
Quando,
há uns 20 anos, eu estava no “poder”(num modesto segundo escalão) um
ministro queria me forçar a nomear uma pessoa, pois era uma ordem que
vinha de Brasília. Disse-lhe que queria ver essa ordem por escrito. Ele
disse: “Em Brasília ninguém escreve o que diz”. Respondi: “Então,
estamos num impasse, pois na minha profissão de escritor escrevo e
assino o que penso”.
E a nomeação não saiu. E eu continuo escrevendo exatamente o que penso.
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