Senhora acima de qualquer suspeita, figura importante
na sociedade local, era amiga do Prefeito, do Governador, figura requisitada em
todos os acontecimentos locais. Vestia-se com apuro, condenava decotes e achava
absurdo mulher de certa idade pendurada em tamancos ou salto muito alto, não
usava bijoux só jóias assinadas. Costumava ver chifres em cabeça de cavalo.
Para ela toda mulher era suspeita até prova em contrário, mas gostava de
proclamar aos quatro ventos o desempenho sexual de seu marido e de quanto era
solicitada. Se suas amigas não lhe davam trela para chegar ao assunto ela
costurava até encontrar um gancho. Era mais ou menos assim, ela chegava na
reunião de senhoras beneméritas e se dizia cansada. Se ninguém perguntava
porque de tanto cansaço ela se servia do prato que havia levado para o lanche e
dizia “que pena que não ficou bom, mas o Magalhães ficou me tentando a tarde
inteira e sobrou para a cozinheira preparar o meu prato” e a partir daí ela
passava a narrar suas peripécias. Magalhães era insaciável e todas as mulheres
presentes que não eram tão solicitadas ficavam frustradas. Se no vestir ela era
adepta da discrição, na cama era devassa. Era que pensavam suas amigas. Uma de
suas amigas chegou a seguinte conclusão, ou o marido da distinta senhora era
tarado ou broxava porque aquilo não era normal. As senhoras em questão chegavam
a fazer greve de sexo para ver se os maridos preocupados fizessem um esforço
para aquecer a relação. Uma delas chegou a bordar uma tabuleta com os seguintes
dizeres: o pinto morreu e pomba está de luto. Por que. Foi taxada de
ninfomaníaca e amargou uma dezena de dias sem sequer o beijo de boa noite.
Algum tempo depois não se sabe por que madame Magalhães ficou ensimesmada,
pouco falava e sua performance. Nesta época apareceu na cidade um rapaz de mais
ou menos dezoito anos que estava a procura de emprego; aceitava fazer qualquer
trabalho. O rapaz foi admitido como ajudante de madame Magalhães. Ela ia ao
supermercado fazia suas compras e o rapaz carregava para o carro. Ela que nem era uma mãe tão
dedicada para sua prole, se arvorou de protetora do rapaz que foi recebendo
lições de boas maneiras, ganhou roupas novas e o apartamento dos fundos da
residência da família foi reformado para abrigar o seu escudeiro. Se alguma
amiga fazia uma viagem para Nova York ela costumava encomendar camisas pólo
para o marido e para o seu pupilo. Isso durou uns dois anos e o rapaz foi
elevado à categoria de office-boy do escritório de arquitetura de Magalhães e
estava fazendo curso profissionalizante no SENAI, quando conheceu uma moça
muito graciosa de que se enamorou e como ele era de casa, passou a levar a moça
para o seu apartamento de fundos. Madame Magalhães não gostou da falta de
respeito e proibiu o rapaz de hospedar qualquer pessoa, aquilo não era hotel. A
mocinha que de ingênua não tinha nada, fez amizade com a manicure da madame
Magalhães e de conversa em conversa contou que ia se casar, mas que o único
empecilho para realizar o seu sonho era a patroa do noivo que tinha um caso com
o rapaz. A manicure espalhou a novidade pela cidade, foi chamada à residência
dos Magalhães para se explicar e se desculpar. Não atendeu a solicitação e
afirmou com todas as letras que não era calúnia, mas a pura verdade, madame
Magalhães era amante de seu protegido, e que estava impedindo o casamento do
jovem rapaz e sua noiva. O que se sabe é que noiva sumiu, o jovem sofreu um
gravíssimo acidente e a manicura foi encontrada morta dentro de uma vala, sem
os dedos. Os familiares da falecida mudaram de cidade, saíram na calada da
noite. Magalhães foi eleito prefeito e sua primeira dama recebeu de presente um
carro blindado com chofer e a secretária de Magalhães é uma jovem que foi miss
de uma cidade do interior e hoje ocupa o apartamento dos fundos que foi ocupado
anteriormente pelo jovem assessor de madame Magalhães. Esta voltou a alardear
as peripécias sexuais do marido, mudou o guarda roupa, o corte de cabelo, já
não critica quem usa saltos, ou decote, aposentou o guarda roupa vestal! E aprendeu
a não falar mais da vida alheia, porque sabe que tem telhado de vidro.
Restaurandora
de bens culturais, pintora, escultora, ourives, Em 2010 foi
classificada em concurso internacional em contos e cronicas, Três livros
publicados e uma coletânea do concurso Edições AG. Mora em Florianópolis, na ilha, casada, três filhos, gosta de animais
domésticos, de cultivar plantas, reunir os amigos, viajar, leitura,
cinema, e a paixão de escrever.
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