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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Madame Magalhães - Nadia Foes


Senhora acima de qualquer suspeita, figura importante na sociedade local, era amiga do Prefeito, do Governador, figura requisitada em todos os acontecimentos locais. Vestia-se com apuro, condenava decotes e achava absurdo mulher de certa idade pendurada em tamancos ou salto muito alto, não usava bijoux só jóias assinadas. Costumava ver chifres em cabeça de cavalo. Para ela toda mulher era suspeita até prova em contrário, mas gostava de proclamar aos quatro ventos o desempenho sexual de seu marido e de quanto era solicitada. Se suas amigas não lhe davam trela para chegar ao assunto ela costurava até encontrar um gancho. Era mais ou menos assim, ela chegava na reunião de senhoras beneméritas e se dizia cansada. Se ninguém perguntava porque de tanto cansaço ela se servia do prato que havia levado para o lanche e dizia “que pena que não ficou bom, mas o Magalhães ficou me tentando a tarde inteira e sobrou para a cozinheira preparar o meu prato” e a partir daí ela passava a narrar suas peripécias. Magalhães era insaciável e todas as mulheres presentes que não eram tão solicitadas ficavam frustradas. Se no vestir ela era adepta da discrição, na cama era devassa. Era que pensavam suas amigas. Uma de suas amigas chegou a seguinte conclusão, ou o marido da distinta senhora era tarado ou broxava porque aquilo não era normal. As senhoras em questão chegavam a fazer greve de sexo para ver se os maridos preocupados fizessem um esforço para aquecer a relação. Uma delas chegou a bordar uma tabuleta com os seguintes dizeres: o pinto morreu e pomba está de luto. Por que. Foi taxada de ninfomaníaca e amargou uma dezena de dias sem sequer o beijo de boa noite. Algum tempo depois não se sabe por que madame Magalhães ficou ensimesmada, pouco falava e sua performance. Nesta época apareceu na cidade um rapaz de mais ou menos dezoito anos que estava a procura de emprego; aceitava fazer qualquer trabalho. O rapaz foi admitido como ajudante de madame Magalhães. Ela ia ao supermercado fazia suas compras e o rapaz carregava  para o carro. Ela que nem era uma mãe tão dedicada para sua prole, se arvorou de protetora do rapaz que foi recebendo lições de boas maneiras, ganhou roupas novas e o apartamento dos fundos da residência da família foi reformado para abrigar o seu escudeiro. Se alguma amiga fazia uma viagem para Nova York ela costumava encomendar camisas pólo para o marido e para o seu pupilo. Isso durou uns dois anos e o rapaz foi elevado à categoria de office-boy do escritório de arquitetura de Magalhães e estava fazendo curso profissionalizante no SENAI, quando conheceu uma moça muito graciosa de que se enamorou e como ele era de casa, passou a levar a moça para o seu apartamento de fundos. Madame Magalhães não gostou da falta de respeito e proibiu o rapaz de hospedar qualquer pessoa, aquilo não era hotel. A mocinha que de ingênua não tinha nada, fez amizade com a manicure da madame Magalhães e de conversa em conversa contou que ia se casar, mas que o único empecilho para realizar o seu sonho era a patroa do noivo que tinha um caso com o rapaz. A manicure espalhou a novidade pela cidade, foi chamada à residência dos Magalhães para se explicar e se desculpar. Não atendeu a solicitação e afirmou com todas as letras que não era calúnia, mas a pura verdade, madame Magalhães era amante de seu protegido, e que estava impedindo o casamento do jovem rapaz e sua noiva. O que se sabe é que noiva sumiu, o jovem sofreu um gravíssimo acidente e a manicura foi encontrada morta dentro de uma vala, sem os dedos. Os familiares da falecida mudaram de cidade, saíram na calada da noite. Magalhães foi eleito prefeito e sua primeira dama recebeu de presente um carro blindado com chofer e a secretária de Magalhães é uma jovem que foi miss de uma cidade do interior e hoje ocupa o apartamento dos fundos que foi ocupado anteriormente pelo jovem assessor de madame Magalhães. Esta voltou a alardear as peripécias sexuais do marido, mudou o guarda roupa, o corte de cabelo, já não critica quem usa saltos, ou decote, aposentou o guarda roupa vestal! E aprendeu a não falar mais da vida alheia, porque sabe que tem telhado de vidro.


Restaurandora de bens culturais, pintora, escultora, ourives, Em 2010 foi classificada em concurso internacional em contos e cronicas, Três livros publicados e uma coletânea do concurso Edições AG. Mora em Florianópolis, na ilha, casada, três filhos, gosta de animais domésticos, de cultivar plantas, reunir os amigos, viajar, leitura, cinema, e a paixão de escrever.

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